Projeto Palco MUDEM (em andamento)

Aprovado pela Pró-reitoria de Cultura da UFCA -2015

Acompanhe as ações do projeto na sua pagina Palco MUDEM
 

Objetivo Geral:

 

Realizar pesquisas no campo da arte-educação com a finalidade de experimentar/inventar metodologias que viabilizem um diálogo com mulheres que vivenciam a opressão de gênero presentes na forma de violência física e simbólica.

 

Objetivos Específicos:

 

1-      Empoderar os membros do MUDEM para atuar de forma criativa no território.

2-      Ter função de laboratório que instiga a autoformação e autonomia dos estudantes na busca de identificar e solucionar problemas

3-      Proporcionar um ambiente na UFCA que se tenha aprendizado através do Lúdico e onde os participantes possam ter uma educação estética através de diálogos mediados por linguagens artísticas.

4-      Promover eventos dentro e fora do espaço universitário que permitam analisar de forma critica a cultura patriarcal e a opressão de gênero.

             
            APRESENTAÇÃO:
 

            Utilizando a arte como força motriz do projeto, impulsionaremos os membros do MUDEM terem autonomia e criar sua própria metodologia, dispondo inicialmente, de seu gosto pessoal, e estudos documentais sobre personagens artísticas que contribuem de alguma forma, com a figura feminina, exaltando, sobretudo artistas que possuem uma história significativa para eles e para a sociedade pelo viés da feminilidade. Na perspectiva que nos aponta (BARON,2004) no seu livro Alfabetização Cultural:

“As artes podem renovar os poderes perceptivos e empáticos das inteligências de nossos sentidos, possibilitando a (re) sensibilização e autocompreensão necessárias ao cultivo da nova solidariedade reflexiva e da comunidade da qual precisamos para arriscar o novo.” (BARON, 2004, p. 5)

            Assim, por meio destas ações, e também através dos debates e atividades desenvolvidos em ambientes externos a universidade, serão solicitados dos mesmos, relatórios escritos e midiáticos, como forma de analisar e avaliar as atividades. 

            Tão habituados estamos dentro da academia a pensarmos problemas através da nossa competência de raciocinar, que quase não temos, dentro das universidades, espaços para nos desenvolver integralmente. Construímos assim profissionais disformes, sem equilíbrio entre as suas dimensões racionais e emocionais, que naturalmente sentirão grandes dificuldades e até frustrações ao descobrirem, para além dos muros da instituição de ensino, que toda a sua carga teórica encontra problemas muito mais complexos que exigem a ativação de outras habilidades. Assim destacamos o conceito de Inteligências Múltiplas (GARDNER, 2000) que nos leva a perceber o humano além das suas capacidades lógico-verbais, e busca ativar: a inteligência espacial; musical; corporal-cinestésica; intrapessoal; interpessoal dos sujeitos. De acordo com esta nova visão entendemos por inteligência "a capacidade para resolver problemas ou elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários" (GARDNER, 1995, p. 14).

Sendo um dos objetivos desse projeto a descoberta/invenção de novas metodologias que promovam a participação, as Metodologias Integrativas irá nos servir de amparo teórico. Vejamos o que nos dizem as autoras sobre as técnicas utilizadas nas Metodologias Integrativas:

 

“Objetivando o acesso a uma percepção mais rica e integrada do real, tais técnicas incluem o recurso as artes e ao lúdico como instrumentos potencialmente poderosos, porque tocam teclas, despertam e legitimam sensibilidades outras com respeito àquelas puramente racionais. São meios que nos levam a integrar as nossas múltiplas inteligências, como, por exemplo, a analítico-racional com a estética, a intuitiva, a sensível (...), dando um fim ao longo domínio de uma visão unívoca e mono-dimensional do real.” (GIANNELLA; MOURA, 2009, p. 15)

 

E dessa forma, vamos juntos com os nossos parceiros e membros de comunidades externa a academia exercitando a nossa criatividade e construindo outras rotas de acessos ao conhecimento.

E com tintas, pinceis e poesias vamos imaginando e colorindo um outro mundo possível.  Através do processo de observação da arte podemos entendê-la como um recurso poderoso, pois por meio de um olhar artístico/poético nos é permitido uma múltipla visão de um mesmo objeto e nos damos conta de que não há uma verdade absoluta. Dessa maneira vamos praticando o que tantas vezes teorizamos em nossos encontros de estudos , e vamos reconhecendo a criatividade e capacidade artística como direito próprio de cada ser humano.

 

                JUSTIFICATIVA:

De acordo com a Presidente do Conselho Municipal da Mulher Cratense (Francisca Alves da Silva), na região do Cariri, apenas durante o ano de 2013, 18 mulheres foram brutalmente assassinadas. Nos últimos dez anos, a soma é de 220 vítimas. As agressões mais frequentes são as verbais, físicas, psicológicas, moral, sexual e patrimonial. A ex-vereadora e membro do Conselho da Mulher do Crato, Mara Guedes, também relata que os anos de 2001, 2002, 2003 tiveram um alto índice de mortes de mulheres. O referido período é hoje denominado de época do escritório do crime. Segundo documento divulgado pelo Conselho da Mulher do Crato em conjunto com o Fórum de Mulheres do Cariri:

 

O “escritório do crime” é comprovadamente uma instituição local de desmonte de carro, tráfico, assaltos e clonagem de cartões de crédito, que atua em Pernambuco e, valendo-se das rotas, chega isento à região do Cariri. Tal vulnerabilidade acaba por repercutir num quadro que afeta particularmente as mulheres.  (Disponível em: Acesso em: 24 dez 2014).

 

As estatísticas de 2014 nos diz que 25 mulheres foram assassinadas na região; foram registrados 914 boletins de ocorrência; 149 medidas protetivas; 22 estupros, tendo como agravante o fato que 19 são de vulneráveis.  Esses são dados que chocam e nos desafia a criar soluções para esse problema.

Diante disso, falar da mulher apenas como vítima de violência seria como se criássemos bolhas quando, na verdade, o que desejamos é um caldeirão efervescente, ou seja, procurar entender a realidade cultural através dos seus contrapontos e das histórias que não encontramos na educação formal, mas que podemos acessar através da oralidade como também nos registros dos fazeres artísticos.

Então, diante do cenário de fragilidades e de potencialidades do território do Cariri, o gestor social deve ter capacidade de interação, atuando com um olhar sensível dentro de um contexto que se mostra mutável, e permeado por mulheres de estilos e comportamentos diferentes e, às vezes, até conflitantes. As competências para lhe dar com o simbólico, com subjetividades e com construção de identidades são imprescindíveis num local onde as soluções apontam para uma ligação entre cultura, ciencia e arte.

 

SOBRE CIÊNCIA, CULTURA E ARTE

 

A ciência sempre tem relação com a sociedade em que se insere, e diferentemente da crença, que é imparcial e neutra, veremos que ela estará sempre permeada de desejos e intencionalidades. Dessa maneira, um dos maiores desafios das mulheres no tempo presente, tem sido questionar as bases do discurso que imprimem em nossos corpos a materialização clara e direta da prática de controle social, conforme nos aponta Susan Borda (1997) na sua apropriação feminista da obra de Michel Foucault.  Só quando conseguimos questionar a cultura patriarcal na qual encontramo-nos submersos é que teremos chance de livrar-nos das correntes invisíveis que nos aprisionam aos nossos opressores, mas essa não é uma tarefa fácil, já que o patriarcado encontra-se tão enraizado em nossas ações cotidianas, tão presentes em nossos hábitos, tão fortemente introjetados que a cultura, como nos diz Bourdieu, “se faz corpo” e nesse estágio coloca-se “além do alcance da consciência”. A escritora Adrianne Rich consegue sintetizar esse raciocínio quando diz que:

 

O poder dos pais tem sido difícil de alcançar, pois ele permeia tudo, até mesmo a língua na qual tentamos descrevê-lo. Ele é difuso e concreto,  simbólico e literal,universal e expresso,  com variações locais que podem  tornar obscura sua  universalidade.  (LEÃO apud RICH, 2007, p. 29).

 

Necessário aqui se faz pensar sobre cultura, na perspectiva que nos aponta Teixeira Coelho (2008), quando afirma que a cultura definida em termos antropológicos é destituída de poder operacional, sendo inapropriada para aqueles que, trabalhando com a cultura, precisam viabilizar condições para que o mundo se transforme em algo melhor.  A cultura que muitos gestores trabalham ainda está  ancorada no  pensamento desenvolvido no século  XVIII durante a  revolução francesa. É desse momento histórico o livro Primitive Culture, do antropólogo Edward Burnett Tylor  (1832- 1917), que propôs a primeira definição do conceito de  cultura, ao dizer que cultura,  no sentido etnológico mais amplo do termo, é esse todo complexo que compreende o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e outras capacidades ou atitudes adquiridas pelo homem enquanto membro da sociedade. Resumindo tudo que é humano. Por buscar trabalhar cultura em termos operacionais Coelho defende:

 

Uma distinção inicial, mínima, tem de ser feita entre o que é cultura e o que é oposto à cultura, o que produz efeitos contrários àqueles  buscados na cultura e com a cultura  –  entre o que estimula o desenvolvimento humano individual e, em consequência   [...], o processo social, e aquilo  que o impede, distorce e aniquila (COELHO, 2008, p. 19-20). 

 

 Dentro desses parâmetros é que afirmamos que a cultura não deve ser considerada a resposta para todos os dilemas da crise em que a humanidade esta imersa. Há que se pensar a cultura não só em seus aspectos positivos, mas o desafio maior é pensar a sua negatividade.

No caso específico deste projeto, podemos exemplificar a negatividade da cultura encontrado nos hábitos permanentes da nossa sociedade e que a faz um lugar de naturalização das ações patriarcais e misóginas. A palavra cultura, que conceitualmente é colocada em correlação a agricultura, ou seja, com algo que é cultivado, é (re)apropriada por Teixeira através da sua raiz anglo-saxônica. Vejamos o que nos diz o referido autor:

 

Se a questão for recorrer aos sentidos epistemológicos, melhor talvez fazer como uma certa tendência anglo-saxão e escolher uma outra raiz para cultura: a palavra coulter, nesse universo considerada uma cognata de cultura e que significa a lâmina do arado.  Esta, sim, uma ideia estimulante para os estudos de cultura e política cultural, ideia com a força de uma imagem poética: a cultura que interessa é aquela que se apresenta como a lâmina do arado. Mas, pode ser que seja melhor reservar essa imagem do arado para algo que tem a ver com a cultura embora não seja igual à cultura por ser maior que ela: a arte. (Ibidem p.18)

 

Com essa pista o MUDEM busca desenvolver pesquisas através da arte-educação que permitam (re) conhecer as expressões artísticas desenvolvidas pelas mulheres do Cariri, e perceber como a voz dessas artistas tocam nas tradições patriarcais.

Educar para outro mundo significa cada vez mais entender a cultural do lugar onde moramos, e que relações predominam ali. No caso especifico desse projeto a constatação de que vivemos em territórios marcados pela cultura machista e patriarcal, não deve ser vista de maneira determinista, pois a cultura não esta separada do humano, somos nós que através das atribuições de significados e simbologia construímos a cultura. Sendo assim, caberá a cada sujeito cognoscente interpelar que tipo de vida a cultura patriarcal nos impõe, para saber até que ponto queremos seguir trilhas prontas, ou inventar as nossas. Questionar o patriarcado é resignificar o valor da vida.

E a universidade deve caminhar para o modelo de desenvolvimento que tem como alvo a vida, em todas as suas dimensões. Segundo a filosofa Viviane Mosé as palavras “grade curricular” “disciplinas” e tempo fragmentados de hora/aula devem ser reavaliados; para abrir espaços para temas, assuntos, questões. A universidade que precisamos construir não deve se acovardar diante dos dramas locais vivenciados pelas mulheres, como a morte, o tempo, a dor, a violência, a discriminação social, racial, religiosa, mas deve proporcionar espaços onde estas questões sejam discutidas, pensadas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICA

 

BARON, Dan. Alfabetização Cultural: a luta íntima por uma nova humanidade. São Paulo: Alfarrabio Editora, 2004.

BORDO,S. R. O Corpo e a Reprodução da Feminidade: Uma Apropriação Feminista de Foucault. In: Género, corpo, conhecimento / Alison M. Jaggar, Susan R. Bordo [editoras]; tradução de Brítta Lemos de Freitas. - Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.

COELHO, T. A Cultura e seu Contrário: Cultura, arte e política pós-2001. Ed. Iluminuras : Itaú Cultural, São Paulo – SP,2008.

DELEUZE, G. e GUATTARI. O que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34. 1992

FOUCAULT, M. Ditos & Escritos I – Problematização do Sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. Forense Universitária. Rio de Janeiro. 2006

LEÃO, J. A. de O. Escrita, Corpo e Ação: A Poética e a Política de Adrienne Rich. Tese de Mestrado, Faculdade de Letras da UFMG,Belo Horizonte, 2007. Acesso em 24/12/2014:

GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática.  Porto Alegre: 1. Ed. Artes Médicas, 1995.

GIANNELA, Valeria. Base teórica e papel das metodologias não convencionais para a formação em gestão social. In: CANÇADO, A. C. et al. (org). Os desafios da formação em gestão social. Anais no II ENAPEGS, Provisão: Palmas/TO 2008.